"Possível intensificação da transmissão". Portugal regista 29 casos de mpox desde agosto

A Direção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) reconhecem, nos últimos meses, um "perfil oscilatório" nas infeções pelo vírus mpox: dez casos em agosto, três em setembro e 16 em outubro.

Gonçalo Costa Martins - Antena 1 /
Gonçalo Costa Martins - Antena 1

O aumento do último mês face à média mensal deste ano deixa as autoridades de saúde atentas à evolução nas próximas semanas. Foi também registado em Portugal o primeiro caso de uma variante mais preocupante.

Está assim a ser registado um aumento de infeções ligadas a este vírus, tendo em conta que a média mensal é de cerca de 11 casos, de acordo com os dados inseridos no Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica.

Numa nota conjunta enviada à Antena 1, as duas entidades assumem que desde junho de 2024 há um número “reduzido, mas contínuo” de casos de mpox reportados todas as semanas.

No entanto, nas últimas semanas observou-se um aumento do número de casos, sugerindo uma possível intensificação da transmissão, embora ainda sem evidência de um novo pico epidémico”, explicam a DGS e o INSA.

Registado pela primeira vez em humanos em 1970, na República Democrática do Congo, no continente africano, o contágio ocorre por contacto próximo com pessoas infetadas, incluindo por via sexual. Entre os sintomas destacam-se lesões na pele e mucosas inclusivamente na região genital.

Os casos que começaram a ser registados fora de África levaram a Organização Mundial de Saúde (OMS) a classificar a mpox como uma emergência de saúde pública de âmbito internacional em julho de 2022, situação que se prolongou até maio do ano seguinte. O surgimento de uma variante mais preocupante, a clade Ib, fez regressar a declaração entre agosto de 2024 e setembro deste ano.

Portugal foi dos primeiros países a registar a infeção humana pelo vírus, que teve um primeiro surto entre maio de 2022 e março de 2023, com 953 casos. Seguiram-se dois surtos com menos infeções: 229 casos entre junho de 2023 e março de 2024, e 20 casos de junho de 2024 a fevereiro de 2025.

Nesta altura as autoridades de saúde não falam de um quarto surto. Mas a “possível intensificação da transmissão” registada em outubro da variante dominante deixa DGS e INSA em alerta.
Nos números enviados à Antena 1 na terça-feira, desde agosto contam-se 29 casos: nesse mês foram dez, enquanto em setembro foram três e outros 16 confirmados em outubro.

Embora se tenha verificado um aumento de casos reportados por clade IIb em outubro de 2025, em relação à média do ano de 2025, a interpretação deste aumento depende ainda de confirmação laboratorial e da evolução dos casos notificados nas próximas semanas”, avisam no comunicado enviado à rádio pública. 
Maioria dos casos na região de Lisboa

A maior parte dos casos confirmados em outubro foram detetados na região de Lisboa. O Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT) revela à Antena 1 que se registaram 11 infeções, entre as 16 contabilizadas.

"Não temos tido registo de casos nos últimos meses, mas no mês de outubro tivemos 11 casos nos nossos três centros na Grande Lisboa", conta Ricardo Fernandes, diretor-geral adjunto deste grupo comunitário que faz testagem de doenças sexualmente transmíssiveis (DST) a homens que têm sexo com homens.
 
Para o GAT, está em curso "um surto", por causa da disparidade de casos registados em outubro, embora nesta altura a DGS e o INSA não usem esta expressão - falam de uma “possível intensificação da transmissão” sujeita a confirmação nas próximas semanas. 

A realidade desde agosto também mudou no Hospital dos Capuchos, uma unidade em Lisboa que tem consulta aberta para DST. Desde esse mês "têm surgido mais casos de mpox", apesar de ser um "número bastante baixo" porque "nos meses anteriores praticamente não tivemos casos", conta a responsável Cândida Fernandes.
A média no mês de outubro neste hospital tem andado entre dois e três casos, sendo todos eles considerados ligeiros.

Na leitura dos dados nacionais, Margarida Tavares, médica infecciologista no Hospital São João e investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, diz que é preciso estar alerta e esperar pelos números das próximas semanas. 

"Pode tratar-se apenas de uma oscilação ocasional", refere, mas, mesmo não sendo considerado um surto, certo é que "verificamos mais casos neste último mês e isso deve-nos deixar alerta porque pode estar a ocorrer uma maior transmissão".
Nesse caso, "pode ser preciso implementar algumas medidas para tentar evitar que os números aumentem", aponta.
À semelhança dos surtos anteriores, nos casos notificados desde agosto, 86% referem-se a homens que tiveram sexo com outros homens. São maioritariamente indivíduos do sexo masculino com idades entre os 25 e os 57 anos. Apesar de questionada, não especificaram a região geográfica.

Em relação a isto, Margarida Tavares sublinha que o perfil dos casos, na sua essência, mantém-se.

Nos três momentos declarados como surtos, a Área Metropolitana de Lisboa concentrou 75% dos casos até fevereiro de 2025, entre o total de 1202 infeções nacionais - apenas com duas mortes registadas em doentes imunocomprometidos.
Primeiro caso em Portugal de variante mais preocupante
Já em outubro, nos dados revelados à Antena 1, conta-se pela primeira vez um caso de infeção da clade Ib, a tal variante mais preocupante. A confirmação surgiu no dia 17 de outubro, num indivíduo sem histórico de viagem e assemelha-se ao padrão observado noutros países da União Europeia. Já foram detetados dois casos em Itália, assim como um em Espanha e outro nos Países Baixos.

Num documento apresentado no último mês, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (CEPCD) considerava que estes cinco casos sem histórico de viagem “representam um padrão diferente de transmissão de infeções da clade I” e “indicam que a transmissão pode estar a ocorrer em redes sexuais entre homens que fazem sexo com homens em vários países da União Europeia/Espaço Económico Europeu”.

Esta referência tem em conta que outros 30 casos anteriores desta variante “foram importados ou tinham ligações claras a casos importados”, sendo que a transmissão posterior ocorreu principalmente entre “contactos domésticos (crianças e outros membros da família)”. Foram registadas sete hospitalizações em que todos recuperaram.

Margarida Tavares antevê que a clade Ib "até pode vir a substituir" a dominante, mas também sublinha "tudo indica que não será o caso de uma maior gravidade associada a esta nova variante".

Depois de preocupações iniciais com o risco de infeção e a letalidade da clade Ib, o CEPCD aponta o risco geral de infeção por esta variante como “moderado” para homens que fazem sexo com homens e “baixo” para a população em geral. 
Importância da vacinação

O CEPCD defende que a vacina disponível contra a mpox continua a ser protetora contra a doença grave. Para a clade IIb, a eficácia estimada para duas doses é de 82%, segundo o relatório, número que baixa para 20% se a vacina for tomada após a exposição ao vírus.

Todos os responsáveis ouvidos pela Antena 1 sublinham a importância da vacinação como forma de prevenir a exposição ao vírus, sobretudo em homens que têm sexo com homens. A infecciologista Margarida Tavares diz "foi uma ferramenta que nos permitiu controlar rapidamente o primeiro surto que existiu em Portugal e em outros países".

Sobre a eficácia das duas doses para a clade Ib, considera que ainda não há dados suficientes para comprová-la, "mas presume-se que ela continuará a ter uma eficácia elevada" e que, mesmo que não evite a infeção, "diminui a sua gravidade e o período de transmissão, portanto isso é vantajoso e vale sempre a pena a vacinação".
Já Cândida Fernandes e Ricardo Fernandes sublinham que, nas consultas, tem havido disponibilidade das pessoas para serem vacinadas, mas Ricardo defende que é preciso ir mais longe. 

"A cobertura vacinal, não obstante os nossos esforços, não é suficiente", aponta Ricardo Fernandes, sendo que, segundo o dirigente do GAT, este espaço garantiu 80% de todos os vacinados para a mpox em Portugal.
Neste contexto de crescimento de casos, as autoridades deixam o apelo à vacinação: "A Direção-Geral de Saúde mantém a monitorização da situação de novos casos de mpox a nível nacional e internacional e reforça as recomendações para a vacinação preventiva da população com maior risco de infeção".

(artigo atualizado ao longo da manhã para incluir as declarações de Margarida Tavares, Cândida Fernandes e Ricardo Fernandes)
Tópicos
PUB